7 de julho de 2025

O solo como guardião da paisagem: o enigma das formações campestre no bioma Mata Atlântica

Em meio à densa Mata Atlântica da Serra do Mar no estado de São Paulo, um campo herbáceo-arbustivo se destaca pela paisagem inesperada. Cercado por florestas exuberantes, o chamado Campo do Veludo desafia a lógica ambiental da região. Por que a floresta não avança sobre essa clareira? O que explica a persistência de uma vegetação campestre em um dos biomas mais biodiversos do planeta?

Localização do Campo do Veludo no contexto do Parque Estadual do Rio Turvo (SP)

[learn_more caption="Figura 1 – Localização do Campo do Veludo no contexto do Parque Estadual do Rio Turvo, estado de São Paulo." state="open"] Montagem composta por três mapas: o primeiro (acima à esquerda) mostra o Brasil com destaque para o estado de São Paulo; o segundo (abaixo à esquerda), a localização aproximada do Campo do Veludo no parque; e o terceiro (à direita) detalha sua distribuição espacial em meio à cobertura florestal da Mata Atlântica. Fonte: Schacht e Alves, 2024.[/learn_more]

O enigma do Campo do Veludo

Essas questões motivaram o estudo publicado por Grace Bungenstab Alves (UFBA) e Gustavo Luis Schacht (UFRB), que buscou compreender os fatores ambientais responsáveis pela manutenção dessa paisagem de exceção no Parque Estadual do Rio Turvo. A pesquisa integrou dados de solo, relevo e vegetação, revelando que o controle exercido pelo solo, especialmente os Espodossolos, é decisivo para moldar a cobertura vegetal local.

Solo como filtro ecológico

A equipe identificou solos rasos, ácidos e mal drenados, com alto teor de matéria orgânica e presença de lençol freático superficial. Essas condições limitam a diversidade vegetal e favorecem espécies adaptadas ao alagamento e à pobreza de nutrientes, como o musgo Sphagnum, a carnívora Drosera e arbustos nanificados do gênero Psidium. O campo, portanto, configura um enclave biogeográfico controlado pelos materiais, com transições abruptas entre vegetação campestre e floresta ombrófila densa, acompanhando a mudança dos materiais.

[learn_more caption="Figura 2 – Perfil topográfico e fitogeográfico do Campo do Veludo, no Parque Estadual do Rio Turvo (SP)." state="open"] O perfil representa a transição oeste–leste da paisagem, destacando variações na fitofisionomia e nos materiais geológicos e pedológicos. Observa-se a alternância entre vegetação campestre e florestal, com distribuição de Espodossolos, Gleissolos e Cambissolos associados a depósitos aluvionares quaternários. A imagem aérea no topo indica o traçado do perfil na paisagem. Fonte: Schacht e Alves, 2024.[/learn_more]

Descrição acessível (para leitores com deficiência visual)

Gráfico em corte lateral mostra um perfil topográfico de aproximadamente 260 metros no sentido oeste–leste, com curvas suaves de relevo e variações de solo e vegetação. No lado esquerdo (oeste), o relevo é mais elevado, com vegetação campestre sobre depósitos aluvionares e Cambissolos. À medida que o perfil avança para leste, aparecem Gleissolos e Espodossolos em áreas mais rebaixadas, associadas a fitofisionomias herbáceo-arbustivas e ilhas florestais. Acima do perfil há uma imagem aérea que mostra o traçado horizontal do corte, evidenciando o mosaico de vegetações observado em campo.

Espodossolos e paisagens de exceção

Esse tipo de configuração revela um caso de paisagem com forte controle pedológico sobre a vegetação. Os solos atuam como filtro ecológico, selecionando espécies com tolerância a restrições químicas e hídricas. Consequentemente, o Campo do Veludo mantém características singulares mesmo cercado por formações florestais densas.

Conexões com as muçunungas

Além de ampliar o conhecimento sobre paisagens pouco estudadas da Mata Atlântica, o estudo levanta hipóteses sobre a possível relação do Campo do Veludo com formações conhecidas como muçunungas, até então mapeadas apenas no Espírito Santo e no sul da Bahia. A hipótese sugere uma continuidade de paisagens sob controle edáfico, pouco reconhecida no sudeste brasileiro.

Implicações científicas e futuras pesquisas

A pesquisa reforça a importância de análises pedogeomorfológicas para compreender os mecanismos que sustentam a diversidade de paisagens nos trópicos úmidos. Também abre caminhos para investigações sobre a evolução de paisagens sob diferentes regimes climáticos, incluindo possíveis relictos de formações antigas ainda preservadas.

📄 Referência completa:
SCHACHT, G. L.; ALVES, G. B. Controle pedológico na vegetação campestre da Serra do Mar: o caso do Parque Estadual do Rio Turvo, SP (Brasil). Geografia Ensino & Pesquisa, v. 28, e84638, 2024.

Disponível em:
https://doi.org/10.5902/2236499484638
https://www.researchgate.net/publication/382997858_Controle_pedologico_na_vegetacao_campestre_da_Serra_do_Mar_o_caso_do_Parque_Estadual_do_Rio_Turvo_SP_Brasil

📌 Acesse outros conteúdos em: https://colapso.ggf.br/blog/

Tags do post

Posts relacionados

Nenhum resultado encontrado

A página que você solicitou não foi encontrada. Tente refinar sua pesquisa, ou use a navegação acima para localizar a postagem.