Em meio à densa Mata Atlântica da Serra do Mar no estado de São Paulo, um campo herbáceo-arbustivo se destaca pela paisagem inesperada. Cercado por florestas exuberantes, o chamado Campo do Veludo desafia a lógica ambiental da região. Por que a floresta não avança sobre essa clareira? O que explica a persistência de uma vegetação campestre em um dos biomas mais biodiversos do planeta?

[learn_more caption="Figura 1 – Localização do Campo do Veludo no contexto do Parque Estadual do Rio Turvo, estado de São Paulo." state="open"] Montagem composta por três mapas: o primeiro (acima à esquerda) mostra o Brasil com destaque para o estado de São Paulo; o segundo (abaixo à esquerda), a localização aproximada do Campo do Veludo no parque; e o terceiro (à direita) detalha sua distribuição espacial em meio à cobertura florestal da Mata Atlântica. Fonte: Schacht e Alves, 2024.[/learn_more]
O enigma do Campo do Veludo
Essas questões motivaram o estudo publicado por Grace Bungenstab Alves (UFBA) e Gustavo Luis Schacht (UFRB), que buscou compreender os fatores ambientais responsáveis pela manutenção dessa paisagem de exceção no Parque Estadual do Rio Turvo. A pesquisa integrou dados de solo, relevo e vegetação, revelando que o controle exercido pelo solo, especialmente os Espodossolos, é decisivo para moldar a cobertura vegetal local.
Solo como filtro ecológico
A equipe identificou solos rasos, ácidos e mal drenados, com alto teor de matéria orgânica e presença de lençol freático superficial. Essas condições limitam a diversidade vegetal e favorecem espécies adaptadas ao alagamento e à pobreza de nutrientes, como o musgo Sphagnum, a carnívora Drosera e arbustos nanificados do gênero Psidium. O campo, portanto, configura um enclave biogeográfico controlado pelos materiais, com transições abruptas entre vegetação campestre e floresta ombrófila densa, acompanhando a mudança dos materiais.

[learn_more caption="Figura 2 – Perfil topográfico e fitogeográfico do Campo do Veludo, no Parque Estadual do Rio Turvo (SP)." state="open"] O perfil representa a transição oeste–leste da paisagem, destacando variações na fitofisionomia e nos materiais geológicos e pedológicos. Observa-se a alternância entre vegetação campestre e florestal, com distribuição de Espodossolos, Gleissolos e Cambissolos associados a depósitos aluvionares quaternários. A imagem aérea no topo indica o traçado do perfil na paisagem. Fonte: Schacht e Alves, 2024.[/learn_more]
Descrição acessível (para leitores com deficiência visual)
Espodossolos e paisagens de exceção
Esse tipo de configuração revela um caso de paisagem com forte controle pedológico sobre a vegetação. Os solos atuam como filtro ecológico, selecionando espécies com tolerância a restrições químicas e hídricas. Consequentemente, o Campo do Veludo mantém características singulares mesmo cercado por formações florestais densas.
Conexões com as muçunungas
Além de ampliar o conhecimento sobre paisagens pouco estudadas da Mata Atlântica, o estudo levanta hipóteses sobre a possível relação do Campo do Veludo com formações conhecidas como muçunungas, até então mapeadas apenas no Espírito Santo e no sul da Bahia. A hipótese sugere uma continuidade de paisagens sob controle edáfico, pouco reconhecida no sudeste brasileiro.
Implicações científicas e futuras pesquisas
A pesquisa reforça a importância de análises pedogeomorfológicas para compreender os mecanismos que sustentam a diversidade de paisagens nos trópicos úmidos. Também abre caminhos para investigações sobre a evolução de paisagens sob diferentes regimes climáticos, incluindo possíveis relictos de formações antigas ainda preservadas.
📄 Referência completa:
SCHACHT, G. L.; ALVES, G. B. Controle pedológico na vegetação campestre da Serra do Mar: o caso do Parque Estadual do Rio Turvo, SP (Brasil). Geografia Ensino & Pesquisa, v. 28, e84638, 2024.
Disponível em:
https://doi.org/10.5902/2236499484638
https://www.researchgate.net/publication/382997858_Controle_pedologico_na_vegetacao_campestre_da_Serra_do_Mar_o_caso_do_Parque_Estadual_do_Rio_Turvo_SP_Brasil
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